Basta matricular a criança na melhor escola da cidade, na aula de inglês, de piano, de pintura, de natação, garantir para ela um boletim impecável, com notas excelentes, que ela terá sucesso em sua vida profissional, certo? Não é bem assim. Hoje, se sabe que, em regra, não são as crianças com o “melhor currículo” – com mais habilidades, com as maiores notas escolares – que se transformam nos adultos mais brilhantes, capazes de revolucionar o seu tempo.
Hoje, 25 de agosto, é o Dia Nacional da Educação Infantil. A data foi escolhida para homenagear a dra. Zilda Arns, fundadora e coordenadora da Pastoral da Criança, como forma de promover a conscientização da sociedade sobre o direito das crianças a uma educação de qualidade.
A educação infantil abrange os primeiros seis anos da vida da criança. Ela é o primeiro passo da sua formação, quando se busca o seu desenvolvimento como ser humano.
E quais são as indicações para a educação infantil? Conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. É nos primeiros seis anos de vida da criança, portanto, que ela desenvolve as principais habilidades para se tornar um adulto criativo e adaptável, capaz de buscar, nas atividades que elabora, a inovação, de se tornar uma pessoa que arrisca, que luta por seus sonhos, que sabe ser feliz e viver em paz.
Para isso, entretanto, a criança não precisa de muito. É o que nos conta Nany Semicek, fundadora do espaço de brincar Casa poppis, em Curitiba, psicomotricista relacional em formação e mãe da Helena e do Antônio: “O brincar é o trabalho da criança, é o que ela faz pra estar no mundo. No brincar livre, a criança tem respeito, tem espaço e tem tempo para brincar do que ela quiser, sem ter o adulto dizendo o que ela tem que fazer. Ela mesma constrói o brincar. Tudo que ela vivencia e escuta no cotidiano, essa é a forma de ela organizar isso na própria cabecinha: transferindo para o brincar, trazendo para o real o que está no imaginário dela”.
Ela também nos conta como é no brincar que a criança desenvolve as habilidades para a vida, de acordo com o seu interesse ou necessidade. “A partir do momento em que a criança vê o coleguinha subindo em algum lugar, ela buscará se desenvolver para replicar aquele movimento, para fazer o mesmo que o outro faz. A criança não vai desenvolver, por exemplo, a coordenação motora fina, quando o adulto acha que ela deve desenvolver, mas sim quando algum interesse dela despertar essa necessidade, como para pegar uma pedrinha do chão”, explica Nany. Por isso também ela ressalta a importância de que, depois dos dois anos de idade, a criança conviva com a comunidade, onde ela pode usar outras crianças como referência, despertar suas necessidades e expandir o seu desenvolvimento.
Também Jean Sigel, escritor e co-fundador da Escola de Criatividade, pai da Giovanna e da Giulia, nos fala sobre como a educação básica pode desenvolver ou barrar as habilidades criativas da criança: “O ser humano é diverso em suas habilidades por natureza: nós nascemos criativos, nascemos pensantes, somos aprendizes, nos emocionamos, temos capacidade também de organizar, de raciocinar. São várias grandes capacidades humanas que devem necessariamente ser colocadas como um todo”, registra.
Ele nos conta que as dificuldades que grandes empresas sentem hoje ao engajar as pessoas nas organizações têm raízes na infância, na educação formal, onde as capacidades da criança são repartidas: para um lado, a criatividade, as habilidades artísticas; para o outro, a lógica, a racionalidade, a matemática. “Todos nós somos capazes de ter um pensamento lógico e também criativo, de nos organizarmos, de nos distrairmos, de sermos curiosos, de sermos objetivos e também emotivos. Tudo isso faz parte da natureza humana”.
Nesse contexto está o brincar, como a nascente dessas habilidades: “O brincar é o que há de mais sério para uma criança. Ele é crucial para o desenvolvimento dela, porque é no brincar que ela mostra e expressa sua criatividade. Por meio do brincar, ela se relaciona com outras crianças, ela cai, se levanta, põe a mão na massa, ela se suja, arrisca, cria mundos, e tudo isso é fundamental para o desenvolvimento cognitivo e da personalidade da criança, para que ela se torne um jovem que vai arriscar mais, que vai inovar mais”, diz Jean.
Nany registra a importância de os pais permitirem que as crianças usem mais itens e brinquedos não estruturados, ao invés dos brinquedos comerciais, que limitam o brincar: “Quando você dá a elas um brinquedo não estruturado, como cordas, bolas, potes, troncos, fitas, tecido, o item pode se tornar qualquer coisa, de acordo com o que a criança desejar. Uma corda pode ser um chicote ou ser amarrada como um balanço: são mil possibilidades de brincar, e enquanto a criança está criando, ela se mantém interessada”, diz.
Jean também acrescenta: “A criança usa o máximo da simplicidade para brincar. A criança é extremamente criativa e imaginativa, ela aplica isso no dia a dia, desde que ela tenha autonomia para experimentar, que os pais em casa as estimulem, desde cedo, a fazerem o que fazem de melhor, que é brincar”.
É necessário colocar as crianças para experimentar. Deixar que eles corram “doses saudáveis de risco”, sem muita proteção. É muito importante para que desenvolvam a capacidade de se adaptar, de lidar com as frustrações e com a derrota, para que consigam organizar o próprio emocional e se abrir, sem medo, ao novo, que sempre se apresentará.
Matéria publicada em 24/08/2021 no site IDE+.
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